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Considerações sobre o papel da Previdência Social – versão 11/2018

Considerações sobre o papel da Previdência Social no Brasil e as atuais reformas

Com a Constituição Federal de 1988, foi instituída a Seguridade Social, com base no tripé Saúde, Previdência e Assistência Social. Compreendendo as aposentadorias, pensões, auxílio-doença, salário-maternidade, salário-família, auxílio reclusão, SUS (Sistema Único de Saúde), dentre outros direitos do trabalhador.

Em 1990, foi criado o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), órgão resultante da fusão entre o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) e o Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS). O processamento de dados da Previdência é feito pela Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social, uma empresa pública brasileira, vinculada ao Ministério da Previdência Social, http://portal.dataprev.gov.br/

Nos últimos anos, três grandes reformas tiveram impacto direto na vida do trabalhador. Foram instituídas nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT).

FHC: de tempo de serviço para tempo de contribuição Em 1998, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional 20. A principal mudança foi que, para se aposentar, não seria mais levado em conta o tempo de serviço do trabalhador. O governo estabeleceu um período mínimo de contribuição para se aposentar: 35 anos para os homens e 30 para as mulheres. Para os funcionários públicos, fixou um período mínimo de permanência para pedir a aposentadoria: 10 anos no serviço público e cinco no cargo. Naquele ano, o governo tentou estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria de todos os trabalhadores, mas o projeto foi derrotado na Câmara dos Deputados por um voto. O deputado Antônio Kandir, que apoiava a reforma, votou errado e se absteve. Também no governo FHC foi aprovado o chamado fator previdenciário: fórmula usada para reduzir o benefício de quem pretende se aposentar mais cedo. O cálculo, complexo, leva em consideração fatores como a idade do contribuinte e a média das contribuições ao INSS no decorrer da carreira.

Lula: foco nos servidores públicos Em 2003, o ex-presidente Lula promoveu uma nova reforma da Previdência, mas o alvo principal foi o funcionalismo público. A Emenda Constitucional 41 alterou o cálculo dos benefícios. Em vez de receber o salário integral de quando estava na ativa, o benefício do servidor aposentado passou a ser calculado de acordo com a média de sua contribuição a um fundo de previdência. Além disso, o governo passou a cobrar 11% de contribuição previdenciária servidores já aposentados e criou um teto para aposentadorias dos servidores estaduais e federais.

Dilma: regra 85/95 A regra foi sancionada em 2015 e concede aposentadoria integral aos trabalhadores que, somando o tempo de contribuição e a idade, obtenham resultado igual ou superior a 85 anos (para mulheres) e 95 anos (para homens). A principal vantagem dessa regra é que, para quem se enquadra nela, o fator previdenciário não afetaria o valor da aposentadoria. O fator, para alguns, pode diminuir o valor da aposentadoria.

Após estas 3 reformas, o que justifica o envio de mais uma, pelo o governo Temer (a qual não foi aprovada) ou agora, pelo novo presidente eleito Bolsonaro?

A redução do número de filhos por mulher e o aumento da expectativa de vida já seriam motivos suficientes para antecipar distorções futuras nos cálculos. No mundo inteiro o número de beneficiários cresce mais que o de contribuintes. Importante explicitar que o INSS foi criado no sistema de repartição, o que significa que cada empregado trabalha para bancar o atual benefício dos que já estão recebendo a aposentadoria e não para criar a sua própria aposentadoria para o futuro. A Previdência impõe um pacto social. A sua aposentadoria será paga com os novos brasileiros que entrarão no mercado de trabalho – partindo do pressuposto que eles farão a contribuição devida à Previdência.

O outro ponto é o déficit atual nas contas e a expectativa de piora para os anos futuros. Em 2016 o déficit do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) chegou a R$ 150 bilhões. No caso do Regime Próprio da Previdência Social (RPPS) o déficit da União chega a R$ 77 bilhões. Mantendo o sistema como está, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),as despesas da previdência poderão representar 20% do PIB em 2060 – sabendo que este percentual para países com envelhecimento populacional como o nosso gira em torno de 10% a 12% do PIB. A alíquota de contribuição de equilíbrio para garantir o financiamento do sistema saltaria para 50% em 2040 e 70% em 2060.

Até 2060 teremos 5 milhões de nonagenários e 500 mil centenários.

Cabe salientar que o assunto da aposentadoria é indigesto, impopular e retira votos. Cada um tem para si uma ‘reforma portátil’ que ‘acha’ ser a mais correta, independente de cálculos atuariais e estatísticos, o que dificulta muito o debate racional, sem emoção. Isto acontece no mundo todo, mas de forma mais acentuada no Brasil, onde grupos específicos conseguem para si, diferenciais vantajosos que não são possibilitados a todos.

O principal ponto que desejo explicar aqui é a idade mínima de 65 anos para requerer a aposentadoria.

Se a expectativa média de vida ao nascer no Brasil, hoje, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de 75 anos e eu só posso me aposentar depois dos 65 anos, terei uma aposentadoria ou um aviso prévio funeral?


Nesta pergunta há um erro metodológico, que é usar a expectativa de vida ao nascer para se definir idade para a aposentadoria. Isso porque para se chegar a idade de 65 anos já se passou pela mortalidade infantil, as doenças infecciosas e a exposição aos acidentes da vida jovem, logo, a pergunta a ser feita é outra: Ao completar 65 anos no Brasil quantos anos de vida eu ainda terei?

Esta resposta é dada pela Tábua de Mortalidade calculada anualmente pelo IBGE e fonte que orienta as seguradoras privadas para os cálculos atuariais que definem prêmios e indenizações nos seguros de vida. Quem chega hoje aos 65 anos no Brasil tem expectativa de vida de 82 anos para homens e 85 anos para as mulheres. Sendo assim, a aposentadoria aos 65 anos daria ao assegurado mais 18 anos de benefícios e não os 6 ou 7 que se divulgam.

Tábua de Mortalidade 2015 – IBGE


De acordo com estudo de Rogério Nagamine Costanzi, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal, o aumento da idade para requerer a aposentadoria foi uma das reformas mais comuns entre países da Europa e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na maior parte dessas nações, a idade mínima para aposentadoria chegará a 67 anos até 2050.

Não seria mais eficiente criar uma média móvel de idade mínima de aposentadoria que oscilasse de acordo com a Tábua de Mortalidade? Quando a expectativa de sobrevida aos 65 anos passar para os 90 anos, teremos que fazer outra reforma? E mais outra? E mais outra?

De acordo com o Anuário Estatístico da Previdência, o número de aposentadorias concedidas a beneficiários com até 54 anos no Brasil, representa 51% do total, sendo 44,5% dos casos entre homens e 63% entre as mulheres. Vale destacar que entre os aposentados precoces, 60% estão entre os mais ricos da população, o que desfaz o mito de que o fim da aposentadoria por tempo de contribuição prejudicará os mais pobres. É viável para um país como o nosso onde a expectativa de vida beira os 80 anos, aposentar o cidadão com 54?

Como são os Sistemas Previdenciários de outros países?

Dinamarca

O sistema de aposentadoria da Dinamarca, considerado por especialistas como um dos melhores do mundo, combina benefícios pagos pelo Estado com sistemas de previdência obrigatórios entre empresas e funcionários no setor privado, e ainda planos individuais voluntários.

No país, não há tempo mínimo de contribuição, mas o valor do benefício leva em conta os anos de pagamento no mercado de trabalho. Lá, a idade mínima da aposentadoria básica de caráter universal crescerá do atual patamar de 65 anos para 67 anos entre 2024 e 2027 ao ritmo de seis meses por ano. Depois disso, vai se basear nos índices de longevidade da população.

Grécia

A reforma previdenciária foi uma discussão central na crise grega e uma das exigências aprovadas pelo Parlamento no pacote de reforma pedido pela União Europeia. Na reforma de 2010, a idade de aposentadoria das mulheres foi aumentada de 60 para 65 anos entre 2011 e 2013.

Em 2012, ficou estabelecido que a idade irá aumentar de 65 para 67 anos tanto para homens quanto para mulheres. A partir de 2020 terá relação com a expectativa de vida. Com a reforma, o tempo de contribuição para uma aposentadoria integral subiu de 37 para 40 anos.

Estados Unidos

Segundo dados da Administração de Seguridade Social do país, até 2014, a idade para aposentadoria para quem nasceu após 1955 era de 66 anos, para homens e mulheres.

A partir de 2015, sobe em dois meses ao ano até alcançar 67 anos. Nos EUA, é possível antecipar a aposentadoria para os 62 anos, mas com desconto do valor a ser recebido. Ou, ainda, adiar até os 70 anos, nesse caso com acréscimo no benefício.

Canadá

Assim como no Brasil, o Canadá adota um teto para o benefício pago na aposentadoria. No país, o plano de previdência do governo exige contribuição durante 35 anos e o trabalhador tem direito ao valor máximo do benefício a partir dos 65 anos de idade.

Quem se aposenta antes, com no mínimo 60 anos de idade, recebe menos. Já quem se aposenta mais tarde, com idade avançada, recebe um abono de permanência, o chamado Old Age Security.

Argentina

Foram feitas duas grandes reformas na Argentina, uma na década de 90 e outra nos anos 2000, que desfez a anterior.

A idade mínima para se aposentar é 60 anos para a mulher e 65 anos para os homens. Além disso, o trabalhador argentino precisa contribuir por 30 anos para se aposentar e o valor do benefício é definido pela média de contribuições dos últimos 10 anos.

Colômbia

Na Colômbia, a idade legal para aposentadoria subiu de 60 para 62 anos para homens e de 55 para 57 anos para mulheres. O tempo de contribuição aumentou de 1.050 semanas, em 2005, para 1.300 semanas em 2015, ou seja, 25 semanas por ano.

Japão

O Japão é o campeão mundial da longevidade com uma expectativa de vida de 84 anos. A idade mínima para a aposentadoria de homens e mulheres é de 65 anos. Para receber o valor integral da previdência é necessário ter contribuído por 40 anos.

Espanha

O país aprovou o aumento da idade legal de aposentadoria de 65 anos para 67 anos, com a transição sendo feita entre 2013 e 2027.

No país, é possível se aposentar com 35 anos de contribuição e 65 anos de idade e continuar trabalhando, recebendo metade da aposentadoria.

Essa modalidade é chamada aposentadoria ativa. Antes, os empregados tinham que escolher entre o emprego ou a aposentadoria.

Portugal

A idade legal de aposentadoria em Portugal foi aumentada em 2014 de 65 para 66 anos, com no mínimo 15 anos de contribuição. Foi implantado no país um fator de sustentabilidade, aposentadorias públicas foram congeladas em 2011. No período de 2010 a 2012, foi instituída contribuição especial para aposentadorias com valor acima de 1.500 euros. Trabalhadores com 65 anos ou mais que permanecem trabalhando têm diminuição da contribuição previdenciária, como uma forma de incentivar permanência no trabalho.

Em tese, o papel da Previdência é o de garantir renda a quem perdeu capacidade laboral.

O que se precisa oferecer é uma ‘combinação adequada’ entre a sustentabilidade do sistema e a proteção social.

Com relação à ‘combinação adequada’ a sociedade terá que responder a outras três perguntas fundamentais:

  1. Qual é o nível de seguridade desejado pela sociedade?

  2. O nosso nível de desenvolvimento e a nossa evolução demográfica comportam o volume que o país gasta com a Previdência?

  3. Qual o tamanho do ajuste que é necessário, tendo em vista que vários grupos conseguem ficar de fora da reforma?

E agora, com o novo presidente eleito Bolsonaro, qual será a proposta encaminhada ao Congresso?

Carla Beni

Economista e Professora de Economia dos cursos de MBA da FGV Management

Fontes:

Manoel Pires e Rogerio Nagamine Constanzi: ‘Entre os mitos da reforma da Previdência e o que é essencial’. Revista Conjuntura Econômica FGV Março 2017, p.30-32.

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