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Economia Solidária

Todo sistema produtivo de uma sociedade moderna apresenta uma parte monetizada, e outra não monetizada. Estas “duas economias” coexistem porque o homem, desde os primórdios, recorre às trocas para suprir suas necessidades e também porque a moeda foi uma invenção, um artifício humano que tem por objetivo facilitar a vida diária.

Hoje, não precisamos mais carregar animais ou outros pertences aos centros comerciais para trocar por outra necessidade qualquer, podemos simplesmente usar um instrumento de aceitação generalizada, um denominador comum. Este instrumento está tão presente em nossas vidas, que fica praticamente impossível imaginar como seriam resolvidas nossas questões financeiras sem a moeda.

Para chegarmos ao atual sistema fiduciário foi um longo caminho. Hoje, temos inúmeras alternativas para solucionar nossos problemas: a Moeda Manual que é emitida por órgão governamental, conferindo legitimação ao papel-moeda circulante; A Moeda Escritural, representada pelos saldos em nossas contas correntes, que é manipulada através de instrumentos como o cheque, os novos cartões de débito e as transferências eletrônicas; Temos também os cartões de crédito e todas as outras modalidades existentes no mercado financeiro. Esta é a parte da economia monetizada, que gera renda, economiza tempo e traz benefícios, mas também engloba as especulações financeiras, a economia informal, sonegação de impostos, o contrabando, tráfico de drogas e de armas e quaisquer outras operações, lícitas ou não, que envolvam moeda.

Por outro lado, temos a economia não monetizada, porém não menos produtiva, que engloba inúmeras horas de trabalho não remunerado, como o trabalho voluntário em creches, escolas, hospitais e entidades religiosas, a produção caseira para uso próprio, a agricultura de subsistência, o cuidado não remunerado do lar e dos filhos, as estruturas comunitárias e outras possibilidades, como as “novas” variações de uma modalidade muito conhecida do homem – o escambo.

Isto porque o escambo resistiu ao tempo, está aliado à tecnologia e gerando bilhões de dólares que não são computados nos PIB’s (Produto Interno Bruto) de vários países. Este é o Escambo Eletrônico[i]realizado pelas empresas, inclusive as transnacionais que, segundo Hazel Henderson[ii], comercializam por ano o equivalente a US$1trilhão internamente, trocando passagens, hospedagem, espaços em escritórios, etc.

Os países também realizam escambo nos seus balanços de pagamentos, e as pessoas físicas nunca se esqueceram desta alternativa, vale relembrar o fenômeno dos Clubes de Troca na Argentina, que surgiram como uma resposta da sociedade civil à ineficiência dos planos econômicos governamentais, envolvendo 6 milhões de pessoas, entre vizinhos e desconhecidos, inclusive através da internet.

No caso brasileiro, um país em desenvolvimento, sem uma moeda forte e com problemas estruturais gravíssimos, mas com muita criatividade, a alternativa do escambo pode aliviar a pressão social e surpreender a sociedade com seus resultados positivos. Para isso, devemos nos despir de qualquer pré-conceito que nos tenham ensinado e passar a enxergar, com seriedade e espírito crítico, novas saídas para velhos problemas. Isto porque, as tensões sociais geradas estão cada vez mais intensas e o desafio deste novo século repousa na luta contra a pobreza, na redução das desigualdades sociais e no respeito às diversidades raciais, sociais, religiosas e sexuais.

Para discutirmos estas questões, devemos ter em mente que a sociedade está composta de três setores: o público, o privado e a sociedade civil. As possíveis combinações entre estes setores, que operam dentro das duas economias já citadas, a monetizada e a não monetizada, resultam em alternativas que produzem melhorias na qualidade de vida de toda a sociedade.

Com relação à participação do setor público, deve-se salientar que o mesmo encontra-se exaurido de recursos e obstinado em aumentos percentuais do PIB, além de já ter encerrado seu papel assistencialista há muito tempo atrás. O setor privado encontra-se refém da falta de poupança interna para viabilizar seus projetos e sofre com uma legislação que nivela a todos, independente do porte das empresas, desconsiderando as especificidades existentes[iii]. A necessidade premente é de investimentos, mas de onde virá o capital para as empresas aumentarem as contratações com esta situação do setor público, as limitações impostas ao setor privado e uma estrutura instável do país, que provoca no capital externo um volátil interesse de investimentos no setor produtivo?

Outro agravante ocorre com os líderes democraticamente eleitos, que tem de conviver com a perda de soberania e a erosão do poder dos Estados Nacionais, pois as promessas eleitorais estão cada vez mais distantes de serem alcançadas – pleno emprego, baixas taxas de inflação, moeda estável, câmbio equilibrado, taxas de juros que estimulem investimentos em vez das especulações, equilíbrio no balanço de pagamentos e tantas outras premissas macroeconômicas que se esvaem no contexto do atual cassino financeiro global[iv].

Temos então, uma explosiva combinação que gera como resíduo indesejável uma grande parcela da juventude totalmente despreparada, sem formação, nem educação básica sequer para exercer a própria cidadania.

Lançamos a questão: qual o impacto social de um jovem despreparado? E de milhões deles? A resposta é complexa, compreende um longo caminho e é de responsabilidade de todos, porque afeta a todos. Vejam, por exemplo, o caso de um assalto: o ato do roubo, do ponto de vista econômico, nada mais é do que uma rápida transferência de renda, e, muitas vezes, por falta de alternativas.

Por outro lado, modelos econômicos “alternativos” fundados em: trocas sociais e familiares; estruturas comunitárias; consumo local; voluntariado; trabalho não remunerado; microcrédito; microempresas; agricultura de subsistência e menor dependência do setor externo são avaliadas de maneira pejorativa e, portanto, considerados pouco sérios, mesmo com a população sentindo “na pele” os efeitos da recessão e do desemprego gerados pelos modelos econômicos tradicionais, que buscam incessantemente o nirvana através do aumento do PIB.

Mas, a final de contas, o aumento da Renda Nacional não implica numa melhor distribuição de renda? Esta problemática já foi discutida à exaustão, com a ideia de “aumentar o bolo” para depois dividir, no entanto, a história mostrou que a divisão não foi feita e o número de pessoas excluídas aumentou vertiginosamente.

Até o final da década de 70, o aumento do PIB garantia melhor distribuição de renda à população, promovendo a redução do desemprego, via aumento dos investimentos. Porém, na década de 80 o dinamismo da economia industrial brasileira se esgota e a crise da dívida externa desarticula o padrão de acumulação vigente, comandado pela tríade: capital produtivo externo, Governo e setor privado. Com a ruptura do financiamento externo e a deterioração das contas públicas, o Estado de encontra enfraquecido no final da década, propiciando a aventura neoliberal no início dos anos 90[v].

Sabemos que o aumento do PIB traz benefícios ao país, porém, não necessariamente, com o aumento do número de postos de trabalho. Esta é a grande mudança de paradigma que a economia enfrenta – a economia sem ética[vi].Esta nova realidade distorce valores pessoais, empresariais e sociais. Isto ocorre porque uma empresa, numa situação análoga ao país, é capaz de aumentar seu faturamento, sem necessariamente aumentar o número de funcionários. A globalização e a tecnologia atual trouxeram esta novidade, fortemente divulgada por Hazel Henderson, o crescimento de braços dados com a pobreza[vii], anulando, muitas vezes, o papel social da empresa, como provedora de empregos.

Surge, então, uma nova ordem econômica mundial, caracterizada pela perda de valores éticos, dominada pela monetização das relações e pela concorrência insana. Incompatível com o avanço social e democrático das sociedades. Para atenuar esta situação, devemos buscar práticas econômicas alternativas que possam gerar trabalho e renda às comunidades excluídas da economia formal, tais como: cooperativas e associações auto geridas, incentivo à produção e consumo em redes locais, microcrédito, moedas locais e de trocas, formação de mão-de-obra através do voluntariado e outras. Este é o papel da Economia Solidária[viii].

[i] Para este assunto ver www.barternews.com . [ii]www.hazelhenderson.com [iii] Como exemplo, vale mencionar o tratamento fiscal dado às microempresas na Itália, onde um imposto só entrará em vigor após a comprovação, por parte do governo, de que a empresa será capaz de honrá-lo, sem comprometer suas finanças. [iv] Expressão usada por Hazel Henderson em Transcendendo a Economia, Cultrix, 1991, p.39. [v] Jorge Mattoso e Marcio Pochmann, Mudanças estruturais e o trabalho no Brasil dos anos 90, Economia e Sociedade, Campinas (10): 221, jun.1998. [vi] Vários são os autores que trabalham nesta linha de pensamento, em especial destacamos Amartya Sen e seu trabalho, Sobre Ética e Economia, Cia.das letras, 1999. [vii] Sobre este tema ver o trabalho do Banco Mundial, Globalização, Crescimento e Pobreza, Ed. Futura, 2003. [viii] Para atualizações neste assunto, consultar a Secretaria Nacional de Economia Solidária www.mte.gov.br. -05/04/2013

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